Realmente, um post sobre a Santa Ceia (ou Última Ceia, como preferem alguns) pode ser só mais um post sobre a Santa Ceia, mas um blog sobre Milão, sem um post de uma das maiores obras de arte do mundo, orgulho dessa cidade, é um blog pela metade.
Na verdade, não acredito que eu tenha muito a acrescentar ao que já foi dito e escrito sobre a obra prima de Leonardo Da Vinci, mas eu já tinha prometido um post sobre a obra quando dei dicas de
COMO VISITAR A SANTA CEIA e, no último sábado, acompanhei um grupo de amigos em uma visita guiada. Para mim foi a quarta visita em 11 anos, mas é sempre uma emoção.
A obra foi encomendada pelo então duque de Milão, Ludovico Il Moro, para decorar uma das paredes do refeitório do monastério dos padres domenicanos de Santa Maria delle Grazie, que ele pretendia transformar em mausoléu de família.
Realizada entre 1494-1498, a obra ficou logo famosa. Além da perspectiva perfeita, que prolonga a sala em 1/3, a grande sacada de Leonardo foi ter escolhido um momento peculiar do Evangelho de João, quando Jesus anuncia: um de vocês me trairá (até então as santas ceias tradicionais representavam Judas isolado, já como traidor e eram solenes, mas estáticas).
Santas Ceias tradiocinais toscanas com Judas isolado do outro lado da mesa
E é aí, que a obra do gênio toscano se trasforma quase em uma fotografia, com os 12 apóstolos reagindo de maneira diferente, segundo a própria personalidade, ao anúncio de Jesus.
Leonardo, um artista a 360 graus e um dos expoentes máximos do Umanismo do século 15, era interessado em retratar a realidade e como grande estudioso de anatomia, consegue representar as reações físicas e emocionais mais profundas com uma perfeição espetacular.
A obra prima de Leonardo da Vinci (1498)
A obra que vemos hoje é resultado de um restauro que durou 20 anos (1979-1999) e que teve como principal objetivo recuperar o recuperável.
A Santa Ceia, nos seus mais de 500 anos, não teve vida fácil. Por decisão do próprio Leonardo, que queria mais liberdade para corrigir certos detalhes durante a realização, a obra não foi feita com a técnica do afresco. Para experimentar, o pintor tratou a parece como se fosse um quadro e usou a técnica a seco, com uma tinta oleosa. Já no final do trabalho, em 1498, o pintor observou as primeiras rachaduras no canto da obra. O fato de a parede ser a do lado Norte, mais exposta a umidade e confinar com a cozinha dos padres, não ajudou no processo de conservação.
Ao longo dos séculos sucessivos a obra passou por vários restauros (leia-se repinturas) ao ponto dos restauradores dos anos 70-90 terem encontrado 7 camadas dos mais variados materiais das intervenções anteriores (incluindo cola). Foi também durante os últimos restauros que encontraram na cabeça de Jesus um prego, usado para marcar o ponto de fuga usado por Leonardo para compor a perspectiva perfeita da obra.
Detalhes do restauro da obra. Detalhes dos pés trazidos à luz depois de 20 anos.
Durante o domínio de Napoleão em Milão, no século 18, o refeitório foi usado como estábulo e comos se não bastasse, em agosto de 1943, durante os bombardeios da Segunda Guerra Mundial, o complexo de Santa Maria delle Grazie foi quase que completamente destruído. As paredes laterais do refeitório não resistiram; a Santa Ceia, protegida por poucos sacos de areia, ficou em pé.
Coberta posteriormente por um telão, ainda passará alguns anos a céu aberto, exposta ao sol, chuva e poluição, antes que a cidade e seus monumentos sejam reconstruídos.
A obra coberta por uma tela depois dos bombardeios de 1943
Depois de toda essa história, só posso dizer que visitar essa maravilha do Renascimento Italiano é uma das melhores coisas que você pode fazer em Milão e requer uma boa dose de organização na reserva dos bilhetes (pelo menos 3 meses de antecedência), mas a emoção é garantida.
A obra não foi a única de Leonardo deixou na cidade. Durante a sus estadia na cidade, que durou mais de 20 anos, o gênio projetou as comportas e eclusas para o sistema de canais de Milão (realizadas posteriormente a partir de seus desenhos), afrescou uma sala no Castelo Sforzesco ainda existente (Sala delle Assi), pintou o quadro (pouco conhecido) Retrato de Músico (exposto na Pinacoteca Ambrosiana) e escreveu muitos dos famosos Códigos Vincianos. Milão hospeda hoje 2 deles: o Código Trivulziano (hospedado no Castelo Sforzesco) e o Código Atlântico, exposto por partes na Biblioteca Ambrosiana. Mas isso já é assunto para outro post.
Desenho para o sistema de canais de Milão
PS:. Na parede oposta a Santa Ceia, os visitantes pouco notam e não perdem tempo para admirar o afresco “Crucificação”, terminado em 1495, de Donato Montorfano. O estilo é completamente diferente do de Leonardo, mas é também uma grande obra, dotada de uma perspectiva muito estudada.